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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

No Brasil, ao menos três crianças se acidentam por dia no trabalho.

Crianças e adolescentes com as mãos cortadas por facas. Vários deles estampam na pele queimaduras de solda de bijuterias e um grupo chora pela perda de órgãos esmagados por cilindros de padaria. Outros são precocemente diagnosticados com doenças decorrentes de exposição a agentes como poeira e benzeno. Sofrem ainda com lesões por esforço repetitivo, distúrbio osteomuscular (Dort) e até transtorno mental. Esse é mais um lado cruel de uma tragédia que atormenta o país. Pelo menos três menores de até 17 anos se acidentaram por dia trabalhando no Brasil nos últimos dois anos e meio, quase todos na informalidade. Entre 2009 e julho de 2011, no mínimo 37 meninos morreram dando duro. Um deles não tinha 13 anos ainda.

Isso é só uma amostra do que anda acontecendo, pois as estatísticas são precárias. Os dados referentes a acidentes com menores foram coletados pelo Ministério da Saúde a partir de comunicação de hospitais e postos de atendimento. “A subnotificação é elevada. A quantidade de acidentes envolvendo trabalhadores, principalmente os menores, é muito maior do que se tem conhecimento”, afirma a médica e especialista em saúde pública Maria Maeno, pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).

Pelo menos 4.190 menores se acidentaram entre 2006 e julho de 2011, a maior parte no estado de São Paulo, entre os quais 21% são meninas. Desse total, 60% (2.487) dos acidentes foram identificados nos últimos dois anos e meio pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), implantado pelo Ministério da Saúde em 2003 para acompanhar a ocorrência de determinadas doenças e acidentes. Na faixa de idade até 13 anos, o Distrito Federal aparece em segundo lugar, com 18 menores acidentados. A partir dos 14 anos, Minas Gerais e Paraná seguem na lista dos estados com mais acidentes.

Vulneráveis

A pesquisadora chama a atenção para uma realidade cruel: os menores que começam a trabalhar cedo são os mais vulneráveis, mesmo quando adultos. “A partir dos 20 anos, espera-se que estejam na plenitude física e psíquica para trabalhar, mas carregam dentro de si um desgaste tão grande porque já trabalham há muito tempo, o que os torna mais propícios a sofrer acidentes”, lamenta Maria Maeno. Para ela, o governo e a sociedade civil precisam se debruçar com mais profundidade sobre o problema.

Ela lembra que 39% da população ocupada começa no batente antes dos 14 anos e 77%, entre 15 e 17 anos, de acordo como dados da Pesquisa de Amostragem por Domicílio (Pnad) de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a pesquisadora, os menores são requisitados para trabalhar em lanchonetes de fast-food, em fábricas de bijouterias e de malas e bolsas, onde estão sujeitos a cortes, queimaduras, tendinites e outras lesões por esforço repetitivo. “Há pequenos acidentes com essa população, com problemas na voz, LER e transtornos psíquicos”, conta a médica. No trabalho com bijouterias, diz, foram identificadas adolescentes com queimaduras nas mãos e pernas: “A soldinha caía no colo das meninas”.

Atividades

Os dados do Ministério da Saúde indicam que as principais vítimas de acidentes na faixa até 17 anos, entre 2006 e 2011, são atendentes de lanchonetes, embaladores, repositores de mercadorias, auxiliar de escritório em geral, pedreiros e serventes de obras, mecânico de veículos, operadores de máquinas, açougueiros e trabalhadores na lavoura. Outros aparecem como estudantes no cadastro elaborado a partir de dados enviados pelos postos e estabelecimentos de saúde, sem especificação da atividade.

A pesquisadora da Fundacentro destaca que a maior parte dos trabalhadores que se acidenta tem renda de até dois salários mínimos, está em atividade de risco e, normalmente, sofre acidentes mais graves — fatais ou que causam mutilação. Maria Maeno lembra ainda que os trabalhadores terceirizados também estão no grupo mais vulnerável. As chances de eles se acidentarem é de até cinco vezes maior que os contratados diretamente, segundo o Departamento Intersindical de Estudo Socioeconômico e Estatística (Dieese).

A cada 10 acidentes conhecidos no Brasil, oito são com terceirizados, que correspondem a 25% do mercado formal de trabalho. Isso ocorre, segundo os sindicalistas, porque a cobrança por resultados é maior, o treinamento é menor e o cumprimento de normas de segurança, menos observado e fiscalizado.

Ações de cobrança

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) expediu recomendação, no fim de outubro, para que desembargadores dos Tribunais Regionais e juízes do Trabalho encaminhem às respectivas unidades da Procuradoria-Geral Federal cópias de sentenças ou acórdãos em que foi reconhecida a culpa do empregador em acidente no serviço. O objetivo é subsidiar eventuais ações de cobrança das empresas pelas despesas da Previdência Social com benefícios acidentários às vítimas e aos seus dependentes. Conforme informou ontem o Correio, a PGF acelerou o ajuizamento dessas ações regressivas desde 2008. Foram no total 1.572 demandas no período. Entre 1991 e 2007, somaram apenas 261. A maior parte é proposta a partir de laudos de análise dos acidentes feitos por auditores fiscais do Ministério do Trabalho.
Fonte: Correio Braziliense

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