O entendimento que está sendo firmado nos Tribunais brasileiros coloca as empresas como únicas responsáveis pelo pagamento de benefícios por contingências ocorridas no ambiente laboral no caso de constatação de culpa decorrente do descumprimento ou inobservância de normas e disciplinas aplicáveis à segurança, higiene e medicina do trabalho. Julgamentos, em diversas ações regressivas propostas perante a Justiça Federal, estão retirando a incumbência institucional do Instituto Nacional de Seguro Social na manutenção de encargos previdenciários devidos por força de acidentes de trabalho quando se observa que a limitação para o trabalho ou mesmo a morte do empregado se deu em virtude da ausência de procedimentos de segurança por parte das empresas.
Para efeito de compreensão preliminar, entende-se acidente de trabalho como aquele decorrente de infortúnio no ambiente e no horário habitual de trabalho (subordinado), implicando lesão corporal, intranqüilidade psicológica, perda, redução da capacidade laboral ou falecimento do empregado (art. 19 da Lei 8.213/91). Além disso, a limitação para o trabalho pode ser temporária ou permanente, a depender da gravidade e extensão dos danos ocorridos pelo acidente. Este, assim sendo, constitui o fato gerador (contingência) que acarreta a consecução do direito subjetivo, pelo segurado ou por seus dependentes, à percepção do benefício previdenciário do auxílio acidentário ou à pensão por morte, respectivamente.
No diapasão normativo, o custeio do benefício é suportado em regime de solidariedade, prevendo a Constituição Federal o financiamento do RGPS por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições sociais dos empregadores, empregados, trabalhadores e demais segurados da previdência social, e por outras receitas previstas no art. 195, da CF.
A partir daí, em se verificando os pressupostos fáticos e de direito que se enquadram nos limites de contingência prevista legalmente, nasce para o lesado ou para os legitimados, dependendo do caso, a pretensão particular ao recebimento dos benefícios previdenciários, desde que evidenciada a condição de segurado, em virtude da filiação (inciso I, do art. 11, c/c art. 20, do Decreto 3.048/99), a serem arcados pelo Regime Geral de Previdência Social. Ocorre que, muitas vezes, se permitem acidentes de trabalho por banal negligência das empresas em prover os empregados de equipamentos de proteção individual e coletiva, em oportunizar treinamentos e orientação prévios para o desempenho das atividades a serem executadas no trabalho ou mesmo por desobediência a normas regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho (em especial as NRs nº. 6, nº. 15, nº. 16, nº. 17, nº. 18, nº. 19, nº. 20 e nº. 21), redundando na contingência social e, por conseguinte, nos dispêndios financeiros com a manutenção dos benefícios pelo RGPS. Assim sendo, quando se constata o acidente de trabalho, o INSS passar, a princípio, a custeá-lo por determinação legal, com os recursos de seus próprios fundos (autogeridos), dentre eles, aqueles obtidos do recolhimento do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) das empresas, o benefício previdenciário pelo segurado acometido pela limitação laboral. No entanto, o INSS pode reverter administrativamente ou por vis judicial, em sede de ação regressiva (art. 120, da Lei nº. 8.213/91) a obrigação pelo pagamento do benefício em desfavor da empresa que não pré-estabelece critérios e parâmetros de segurança e higiene, no desenvolvimento de sua atividade, e nem adota medidas de neutralização das condições nocivas no trabalho.
Caso fosse mantida a obrigação nesta vertente - encargo do dever de prestar o benefício pelo INSS - , seria legitimada uma descabida transferência financeira aos fundos do RGPS mesmo na hipótese comprovada de culpa exclusiva de terceiros/empresas (o que exclui a responsabilidade estatal, portanto).
Destarte, embora se denote o recolhimento dos valores correspondentes ao SAT – cujo escopo se resume, especificamente, ao custeio do auxílio acidentário, não há como afastar a responsabilidade das empresas no sustento desses benefícios quando estas próprias não implementam ferramentas adequadas de segurança e higiene no ambiente de trabalho ou quando agem em falta no treinamento dos respectivos funcionários em atividades que demandam, pela natureza dos serviços, cuidados excepcionais preconizados em regras ordinárias de medicina do trabalho ou outras instituídas (NRs) que visam à garantia da integridade física e da saúde dos empregados. Assim sendo, para a responsabilidade específica da empresa nestas hipóteses, basta a configuração de qualquer culpa empreendida por parte do empregador. Esta é, de fato, a inteligência de julgados dos Tribunais Federais, o que não poderia deixar de ser pela lógica e por critério de justiça (“É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Nesse prisma, a não-adoção de precauções recomendáveis, se não constitui a causa em si do acidente, evidencia negligência da empresa que, com sua conduta omissiva, deixou de evitar o acidente, sendo responsável, pois, pela reparação do dano, inclusive em ação regressiva ajuizada pelo INSS”. TRF 2ª Região. AC nº. 474233, DJ de 20/05/2010, por exemplo).
Neste contexto, há de se perceber, como bastante apropriada, a imposição do sistema legal em revelar ao empregador a necessidade perene e ininterrupta de instituir medidas assecuratórias à segurança, salubridade e higiene no respectivo ambiente de trabalho, já que sua negligência (culpa) pode desdobrar na responsabilidade direta da empresa à manutenção dos benefícios decorrentes de acidente de trabalho, além da obrigatoriedade, em seara judicial, de ressarcimento aos cofres do RGPS pelo indevido adimplemento financeiro pelo INSS.
Quanto à pensão por morte, muito dificilmente as decisões transportem a incumbência às empresas, já que os beneficiários poderiam ficar a reboque da descontinuidade da prestação do benefício, isso sem mencionar o exaurimento do próprio direito por motivos alheios à vontade dos envolvidos. A tendência jurisdicional, nestes casos, é reservar o adimplemento da pensão por morte ao INSS, em homenagem à universalidade de cobertura e do atendimento e à dignidade da pessoa humana (parágrafo único, inciso I, do art. 194, c/c inciso V, do art. 201, da CF).
Fonte: Primeira Edição
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