Tenho certeza de que só o título deste texto já conseguiu torcer o nariz de muita gente. Se você for um deles talvez esteja pensando: "Aprender com os apresentadores de TV? Esse Polito surtou! Só me faltava alguém me dizer que vou aprender a falar assistindo aos programas do Faustão, do Silvio Santos e da Hebe Camargo!
"Para o fã de televisão a reação pode ser diversa, talvez até expressa com aplauso: finalmente aparece alguém para elogiar meus ídolos. Por essas e outras, peço aos resistentes que antes de se colocarem na defensiva acompanhem o que tenho a dizer sobre alguns dos principais apresentadores e, depois, sem preconceitos, tirem suas próprias conclusões.
Como argumento inicial, levanto esta reflexão: se esses apresentadores são vistos todos os dias, ou todas as semanas, há tantos anos, por milhões de pessoas nos mais diferentes cantos do país, provavelmente, devem possuir qualidades excepcionais de comunicação, que os diferenciam e os revestem de um brilho especial que vale a pena ser analisado.
Vem cá, vem cá, vem cá. Quem quer dinheirooo???
Silvio Santos é o rei. São mais de 20 anos no ar, todas as semanas, revelando descontração contagiante e mantendo audiência impressionante. E é exatamente essa alegria constante do 'homem sorriso' que o mantém na telinha há tanto tempo.
Não é fácil não. Numa época em que tudo parece ser descartável e os ídolos são substituídos num abrir e fechar de olhos, para permanecer décadas fazendo sucesso, precisa ser mesmo muito bom.
Já no princípio ele elegeu seu público. Temos duas possibilidades para conquistar os ouvintes: ou adaptamos nossa maneira de nos comunicar ao tipo de público que pretendemos cativar ou selecionamos a plateia conforme nossa própria característica.
Silvio Santos percebeu, no início da carreira, que seu jeito simpático, divertido e envolvente, aprimorado, provavelmente, quando ainda era um camelô, atingia os telespectadores das classes mais populares. Foi hábil em desenvolver um programa que agradasse a essa camada da população e venceu.
O que podemos aprender com seu exemplo.
Um dos maiores erros que o comunicador pode cometer é o de fazer apresentações sem considerar a característica de seu público. Silvio Santos foi perfeito nessa avaliação, pois soube planejar o que pretendeu comunicar, de acordo com o nível intelectual dos ouvintes, o tipo de expectativa que eles provavelmente possuíam e a faixa etária do seu público.
Ô loco, meu!
Acompanho a carreira de Fausto Silva desde a época em que ele trabalhava nos programas de esporte da rádio Excelsior (hoje CBN) de São Paulo. Inicialmente ao lado do maior narrador esportivo de todos os tempos, Osmar Santos, em seguida com ele próprio no comando.
Já nessa oportunidade, as pessoas perguntavam como é que um apresentador com o carisma, a inteligência e a presença de espírito do Fausto Silva não estava na televisão. A oportunidade surgiu num programa que tinha tudo para não dar certo: 'Perdidos na noite', na Bandeirantes.
Com domínio total da plateia, quando me entrevistou para falar sobre técnicas de comunicação, conseguiu que cerca de 2 000 pessoas que estavam no auditório ficassem em silêncio o tempo todo. E o resultado foi tão positivo que naquela semana foi esgotada uma edição inteira de um dos meus livros que havia levado para divulgação.
Sem requintes técnicos, com baixo orçamento e mais ou menos improvisado, o programa, em pouco tempo, emplacou, graças à competência e à habilidade de Fausto Silva. Algum tempo depois, foi, como Faustão, devido a seu porte avantajado, para a Globo, onde mais uma vez brilhou e encanta os telespectadores de todo o país até hoje.
Jamais abandonou sua presença de espírito. Quando Fausto Silva saiu da Bandeirantes e foi para a Globo, diziam que ali perderia a liberdade para trabalhar e fracassaria. Esse comentário já poderia ser considerado um elogio para o apresentador, pois, se diziam que o programa na Globo não daria certo porque ele não poderia ser o mesmo, significava que, se seu talento deixasse de ser explorado, a qualidade da contratação seria desperdiçada.
Os prognósticos pessimistas foram por água abaixo, e ele, como a maioria imaginava, foi sempre um grande sucesso. Nunca abandonou sua irreverência e, principalmente, sua presença de espírito, incomparável na história da televisão brasileira.
O que podemos aprender com seu exemplo.
Uma apresentação deve ser planejada em seus menores detalhes. Nada pode ser deixado ao acaso. Quanto mais pudermos ensaiar o que vamos dizer, melhor. Entretanto, nenhum preparo, por mais criterioso que seja, poderá ser considerado mais importante que a presença de espírito.
Quando o orador consegue aproveitar uma informação que nasce no ambiente e adaptá-la à mensagem, está dando atualidade ao assunto e demonstrando que sua fala é própria para aquela plateia. Por isso, sempre que puder, prepare sua apresentação de maneira minuciosa.
Ao chegar ao local onde deverá falar, entretanto, fique atento a todos os acontecimentos e, se observar um detalhe que possa ser incluído na sua exposição, mesmo que seja para substituir o que trouxe pronto, não hesite; prefira se valer da circunstância e use sua presença de espírito.
Muito obrigado pela presença, daqui a pouco a gente volta.
Jô Soares é o melhor entrevistador dos 50 e tantos anos de existência da televisão no Brasil. Participar como entrevistado de seu programa é uma aspiração até de quem já conquistou muita fama.
Falar em uma entrevista com ele sobre o lançamento de um livro é garantia de sucesso. A exemplo do que ocorreu comigo quando fui entrevistado pelo Fausto Silva, também depois de participar do programa do Jô Soares foi vendida uma edição inteira de cada um dos dois livros que levei para mostrar na entrevista.
Jô Soares sabe explorar todos seus atributos de comunicador - dança, canta, toca instrumentos, conta piadas, narra 'causos', entrevista pessoas simples e famosas, em inglês, francês, espanhol, sempre com a mesma naturalidade e desenvoltura.
Entrevistas que não apresentam atrativos e estão prontas para fracassar são salvas por sua habilidade de bom comunicador. É comum ele abandonar o roteiro de uma entrevista que empacou e passar a fazer brincadeiras com o entrevistado, ou com os músicos do seu sexteto, e terminar a conversa em altíssimo astral.
É vaidoso, mas não tem o mínimo constrangimento de se chamar de gordo burro quando conta uma piada sem graça. Na verdade, usa esse expediente da autogozação como um inteligente recurso para salvar piadas e histórias que não deram o resultado que esperava. Não tem igual.
O que podemos aprender com seu exemplo.
É comum conversarmos com pessoas espirituosas, interessantes, que sabem contar piadas, cantar, narrar histórias que comovem ou fazem rir e que, quando precisam falar diante de um grupo, parecem ficar embalsamadas, sem vida e sem atrativos.
Ninguém deve mudar seu jeito de ser só porque está diante de uma plateia. Ao contrário, quanto mais natural, quanto mais espontâneo, quanto mais puder ser ele mesmo, mais eficiente será sua comunicação. Por isso, se você tiver alguma habilidade que possa projetá-lo de maneira positiva, não hesite em usá-la em público.
Cante, recite poesias, dance, conte piadas, plante bananeiras, enfim, faça o que souber de melhor e aumente suas chances de sucesso. Jô Soares não teria o mesmo brilho se limitasse sua atuação a perguntar e ouvir respostas.
Que gracinha
Hebe Camargo é uma das poucas apresentadoras de televisão que consegue dar atenção a muitas pessoas ao mesmo tempo. Até os convidados mais tímidos, ainda que estejam em grupos numerosos, conseguem falar e dar suas opiniões sobre assuntos que ela aborda nas entrevistas.
Quando deseja cortar a conversa de alguém, sempre age com delicadeza e amabilidade. Já assisti a cenas em que ela passou a elogiar uma convidada para poder interrompê-la - que gracinha, que bonita você está com este vestido, espero que volte sempre aqui para desfilar esta beleza estonteante, tchau, linda. A entrevistada parou de falar, foi embora do programa e, com certeza, não ficou chateada.
O que podemos aprender com seu exemplo.
Se pudermos usar essa competência para tratar com muitas pessoas ao mesmo tempo, também conquistaremos sucesso como comunicadores, pois, seja em nossa casa, seja numa reunião de negócios, conseguiremos deixar todas as pessoas à vontade.
*Reinaldo Polito é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal. Escreveu 15 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares.
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