A 10ª Câmara do TRT da 15ª Região negou provimento a recurso ordinário de um banco, ratificando a condenação ao pagamento de indenização por dano moral a um ex-gerente de agência que ficou conhecido entre os colegas como “Claudinho Botina”, em referência a uma bota de cano curto que foi mantida pelo coordenador de postos de atendimento bancário (PABs) na gerência regional sediada em Presidente Prudente.
Exposta aos demais empregados, a botina era identificada como “troféu do gerente responsável pelo PAB X [nome do posto pelo qual o reclamante era responsável]” e serviria para “chutar o traseiro” do bancário, uma punição por desempenho profissional considerado insuficiente.
A Câmara também manteve o valor de R$ 100 mil, fixado para a indenização pela Vara do Trabalho de Dracena – 561 km de Campinas –, na qual a ação teve origem. No recurso, o banco pretendia ao menos reduzir o valor.
“O reclamado submeteu o reclamante a situação vexatória e humilhante”, reagiu o relator do acórdão no TRT, desembargador federal do trabalho Fernando da Silva Borges. Conforme ressaltou o magistrado, o bancário virou “alvo de piadas, achincalhação e risos” por parte dos colegas que participavam das reuniões na gerência regional.
“É inegável o constrangimento a que foi submetido o reclamante, decorrente da situação vexatória em que foi colocado pelo empregador, a qual culminou por macular a sua imagem perante os colegas de trabalho, além de provocar evidente sofrimento íntimo, em decorrência do assédio moral que lhe foi impingido por representante do reclamado”, acrescentou Borges.
Humilhação - O autor foi admitido pelo banco em 19 de dezembro de 1978 e se aposentou em 11 de agosto de 2005, totalizando quase 27 anos de trabalho para o mesmo empregador. Em 2004 começou o assédio moral, com pressões psicológicas por parte do coordenador de PABs e cobrança de cumprimento de metas elevadas, que nem sempre eram alcançadas.
A situação chegou ao ápice quando, descreveu o reclamante, o PAB sob sua responsabilidade foi tachado como “o último do ranking do banco”, e houve a conseqüente exposição da botina na gerência regional.
O reclamado negou os episódios descritos pelo trabalhador. Admitiu apenas a cobrança de metas, mas alegou que ela ocorria dentro de limites aceitáveis e era necessária “no contexto de uma empresa do ramo financeiro que está submetida a forte concorrência”.
Argumentou também que a maior produtividade alcançada pelos empregados por causa das metas estabelecidas resultava em diversos benefícios aos bancários, como o aumento da remuneração e o recebimento de prêmios.
A prova oral, no entanto, ratificou a versão do reclamante. Outro gerente, ouvido como testemunha por indicação do autor, confirmou ter visto na gerência regional, mais precisamente na mesa do coordenador de PABs, o tal “troféu botina” – “um sapatão de roça, de cor avermelhada, de couro”, detalhou a testemunha. Ela também disse que o “troféu” ficou exposto por cerca de um ano e fazia, efetivamente, referência ao desempenho profissional do reclamante.
Revelou ainda que apenas o autor recebeu a “homenagem” e que nenhum outro gerente além dele foi humilhado nas reuniões na gerência regional, tanto que, embora o PAB gerenciado pela testemunha também não tenha conseguido cumprir as metas de abertura de contas, conforme ela própria informou, ainda assim o “troféu” não mudou de “dono”.
Ainda que o reclamante atingisse as metas fixadas, a situação não mudava, denunciou a testemunha. Se isso acontecia, os objetivos impostos ao autor, e só a ele, eram aumentados para o período seguinte, acrescentou.
Ainda segundo a testemunha, as metas estabelecidas para o reclamante eram maiores que as atribuídas aos outros gerentes de unidades do mesmo porte. Ela confirmou, por fim, que o coordenador dizia ao autor que, caso as metas não fossem cumpridas, ele ganharia o “troféu botina”, o que era entendido como uma ameaça de demissão. “Em todas as reuniões era falado do troféu”, enfatizou a testemunha, que afirmou ainda ter ouvido outro gerente chamar o reclamante de “Claudinho da Botina”.
A segunda testemunha indicada pelo autor também ratificou as ameaças de demissão ao reclamante, feitas pelo coordenador de PABs e traduzidas na entrega do malfadado “troféu”. Mas foi o depoimento da terceira que se mostrou o mais esclarecedor, na opinião do desembargador Borges. Ela confirmou a criação do “troféu” pelo coordenador e descreveu:
A botina foi pregada num pedaço de madeira, e havia uma plaquinha com o nome do PAB gerenciado pelo autor, significando a classificação em último lugar no que diz respeito ao cumprimento das metas cobradas pelo coordenador, que era superior hierárquico do reclamante.
Todos os gerentes, de todas as unidades que eram subordinadas à regional de Presidente Prudente, que na época abrangia 35 agências, estavam presentes na reunião em que a botina foi atribuída ao reclamante por não ter atingido os objetivos impostos. Depois disso ele se tornou alvo de humilhação, ficando como o “dono” do troféu.
A botina veio como ameaça de demissão, e nenhum outro empregado, além do reclamante, foi alvo dela. Não sei dizer exatamente por quanto tempo a botina ficou exposta, mas sei que foi durante vários meses. Havia dois gerentes de agência, que por sinal eram irmãos, que eram os que mais se referiam ao autor como “Claudinho Botina”.
Várias vezes ele se queixou da conduta dos colegas. Sempre que havia reunião no período em que a botina ficou exposta, a brincadeira voltava à tona. No dia em que o “troféu” foi mostrado pela primeira vez, houve uma confraternização depois da reunião de trabalho, mas o reclamante não ficou. Ele estava constrangido, porque todos os colegas ficaram gozando dele. Desde então, o reclamante costumava ir embora antes das confraternizações.
Já as duas testemunhas apresentadas pelo banco, observou o relator, esclareceram muito pouco. Uma alegou que desconhecia quem cobrava as metas impostas ao reclamante. Admitiu a existência do “troféu botina”, mas disse acreditar – “de forma nada convincente”, como assinalou o desembargador Borges – que se tratava de algo ganho pelo próprio coordenador de PABs em algum evento. A outra afirmou não ter participado de reuniões sobre o desempenho dos postos e disse não saber se o coordenador mantinha algum troféu para premiar ou punir gerentes.
“A prova testemunhal produzida pelo autor mostrou-se coesa e convincente”, sintetizou o relator. “Demonstrou que o reclamante foi submetido por seu empregador a pressão psicológica, objetivando atingir determinadas metas relacionadas à captação de contas, metas que estavam, inclusive, acima da média cobrada a outras agências do mesmo porte.”
Esse procedimento, aliado à criação do “troféu botina”, à forma como ele foi exibido e o tempo durante o qual isso ocorreu, bem como seu significado – a última colocação no “ranking” de postos de serviços –, todo esse conjunto “evidentemente extrapolou o poder diretivo do empregador e atingiu seriamente a imagem do reclamante diante dos profissionais da área em que atua, causando-lhe sofrimento íntimo, com reflexos danosos para sua autoestima”, concluiu Borges.
Reclamante pretendia mais - A Câmara também rejeitou o recurso do reclamante, que pleiteava elevar o montante da indenização para aproximadamente R$ 450 mil, cerca de cem vezes o maior salário recebido por ele durante o contrato de trabalho.
No entendimento do autor, o valor arbitrado pelo juízo de primeira instância “é insignificante, diante da capacidade econômica do ofensor e da natureza do direito ofendido, a dignidade da pessoa humana”.
Para o desembargador Borges, no entanto, a quantia foi fixada de acordo com “a condição econômica das partes, a gravidade da lesão e a finalidade pedagógica da cominação, cujo objetivo é coibir a repetição de tais abusos por parte do empregador, sem provocar enriquecimento do trabalhador, mas garantindo uma compensação ao ofendido pelo sofrimento decorrente do dano que lhe foi causado”.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região Campinas
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