Você fala com sotaque. Garanto. Diante dessa minha afirmação você poderia retrucar dizendo que não é verdade, pois sabe muito bem como é a sua comunicação. Poderia argumentar ainda que não existe o mais leve sinal de sotaque em sua maneira de falar.
De maneira geral, nos habituamos tanto a ver pessoas de outras regiões se expressando de maneira própria delas, que nem notamos que todos nós falamos com sotaque. Tudo depende do local onde nos encontramos. Para o paulista, quem tem sotaque é o nordestino ou o gaúcho. Para o nordestino ou para o gaúcho, entretanto, quem tem sotaque é o paulista.
O fato de entendermos que todas as culturas e sociedades se orientam pela perspectiva dos costumes, valores e normas de sua própria sociedade é um fenômeno denominado etnocentrismo. Segundo o pesquisador e teórico cultural Edward T. Hall, não temos consciência da nossa própria cultura em nós mesmos.
De acordo com esse estudioso jamaicano radicado na Inglaterra, comportamo-nos a partir dos costumes e hábitos da região onde fomos criados e vemos tudo apenas com nossos próprios olhos. Tomamos como certo que os nossos costumes e hábitos devem ser a referência, ignorando como outras pessoas, formadas em outras culturas e lugares, e acostumadas a eles, podem nos ver e nos qualificar.
Com as mudanças cada vez mais frequentes do local de trabalho de profissionais de praticamente todas as áreas, a questão do sotaque e do regionalismo passa a ter importância especial. Afinal, será que você deveria mudar seu jeito de falar porque é diferente de como falam os outros profissionais com os quais vai conviver ou está convivendo?.
A resposta não poderá ser simplesmente sim ou não. Antes de se decidir, você precisará avaliar diversos fatores. Mudar o jeito de falar quase sempre significa uma ruptura de comportamento cristalizado por hábitos de toda uma existência.
Eu tenho uma experiência pessoal bastante curiosa. Nasci e fui criado em Araraquara, no Interior do Estado de São Paulo. Minha cidade natal possui uma característica muito interessante: uma parte da população tem sotaque interiorano bastante carregado, e eu vivi entre eles.
Quando me mudei para a capital, com 21 anos de idade, vez ou outra observava algumas pessoas cochichando e sorrindo, provavelmente por causa da minha maneira de falar. Pensava no assunto, mas não me incomodava, pois os grupos me aceitavam bem e eu fazia amizades com facilidade.
Entretanto, aos 24 anos, quando resolvi me tornar professor de expressão verbal, percebi que o sucesso da nova carreira poderia estar associado à minha maneira de falar. Imagine eu ministrando cursos e palestras em todos os cantos do País e orientando os alunos com aquele erre arrastado do interior paulista: "Laéérrrcio, você está toorrrto".
Lógico que se continuasse me expressando assim poderia perder muito da minha força como professor dessa matéria. Por isso, fiz um treinamento autodidata intenso, durante muitos anos, para eliminar os vestígios mais marcantes desse sotaque interiorano. Mudei por necessidade profissional.
Antes de se decidir sobre a conveniência de eliminar ou não o sotaque, atente para a questão da naturalidade. Dependendo da maneira como você venha a fazer o trabalho para mudar a forma de falar poderá comprometer a naturalidade da sua comunicação e desenvolver um artificialismo que, por ser evidente, poderá até prejudicar sua credibilidade.
A mudança brusca, precipitada quase sempre é muito negativa. Você acaba cortando suas raízes, se despersonalizando e não obtendo nenhum tipo de benefício. Você deixa de falar como os habitantes de sua região, mas demonstra ostensivamente, de maneira artificial, que está tentando se expressar de forma diferente.
A compreensão da pronúncia
Não confunda sotaque com dicção. Ter pronúncia defeituosa é problema de dicção. O sotaque de algumas regiões é tão carregado que temos a impressão de que a pessoa está se comunicando em outra língua. É evidente que esse tipo de pronúncia prejudica a compreensão dos ouvintes e compromete a qualidade da comunicação. Nesse caso, a maneira de falar deverá ser modificada.
O efeito da avaliação dos ouvintes
Pelos motivos já analisados, os ouvintes poderão estranhar a maneira como uma pessoa de outra região fala e por isso passar a ridicularizar sua forma de se expressar. Se você enfrentar essa situação, pense seriamente se vale a pena ou não acabar com o sotaque e mudar seu jeito de falar.
Lembre-se de que, se precisar manter contato com pessoas de outras regiões por tempo prolongado, mesmo que, apesar da sua maneira de falar, compreendam bem o que você diz, não o ridicularizem e não o vejam como prepotente ou arrogante, vale a pena avaliar se convém ou não mudar. Essa é uma decisão sua.
* Reinaldo Polito é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal. Escreveu 19 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares.
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