Por: Denilson Lima
As situações a seguir foram baseadas em fatos reais. Os nomes dos personagens citados neste artigo foram modificados por questões de segurança:
- Caso 1: Miguel, 17 anos, office boy em uma empresa gráfica, vai para o trabalho como se percorresse a Via Dolorosa. Seu superior, encarregado do setor de expedição, tem solicitado serviços fora do horário normal e reclama aos berros se não for atendido prontamente. O rendimento escolar do rapaz caiu muito e ele tem se mostrado pouco participativo e alheio aos acontecimentos. “Mano, o cara me bota pilha o dia inteiro, e eu trampo tipo um camelo! Só eu levo encarcada…é embaçado, véio! O cara é tipo carrasco, tá ligado?! (sic)”
- Caso 2: Normando, 48 anos, motorista de ônibus, está afastado do trabalho há dois meses com diagnóstico de síndrome do pânico. Sentiu-se muito mal e precisou ser socorrido, após ser ridicularizado diante de seus colegas pelo supervisor de frota, supostamente por estacionar incorretamente um veículo no pátio. A situação já havia ocorrido outras vezes, as ofensas foram se agravando e não houve atitude corretiva por parte da empresa. “Nunca precisei passar por isso. O cara me chamou de ‘incompetente’ e ‘jumento’ no meio da pinhãozada (sic)…e justo eu que nunca perdi um dia de trabalho!”
- Caso 3: Marluce, 26 anos, operadora de call center, passou a sofrer de depressão e raramente sai de casa. Pediu demissão por ser constantemente chamada de “burra” e “lerda” por sua coordenadora nas reuniões de equipe, principalmente se não atingia a meta de vendas. Passados seis meses, ela ainda chora ao comentar o ocorrido e faz acompanhamento psiquiátrico. “Aquilo era um inferno, eu não aguentava mais aquela vida! Só queria saber de ir embora, ir embora…”
- Caso 4: Annelise, 42 anos, vendedora de eletrônicos, teve um AVC após discutir com sua gestora. Segundo colegas próximas, há alguns meses ela vinha sendo pressionada a vender mercadorias falsificadas como sendo originais. Diante de sua recusa, ouviu ameaças do tipo “para eu te ‘queimar’ e te botar no olho da rua é dois palito (sic)”, “você não vale m… nenhuma, tem mais é que fazer o que eu mando!”.
- Caso 5: Lenira, 26 anos, auxiliar de serviços gerais, abriu denúncia no Ministério do Trabalho contra sua ex-patroa; esta, além de dispensar-lhe tratamento notadamente grosseiro e desrespeitoso, utilizou-se de comentário de cunho racista durante uma reclamação sobre salários: “Veja bem, você sabe que o negro, se quiser se dar bem na vida, precisa trabalhar dez vezes mais que os outros”.
- Caso 6: Kleber, 29 anos, supervisor de compras, passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso nos últimos seis meses, por conta de stress e fadiga. Após reivindicar bolsa de estudos para pós-graduação, passou a ser hostilizado por seu gerente, sendo inclusive deixado na “geladeira” (sem atribuições ou tarefas significativas), fazendo com que ele seja visto pelos colaboradores como alguém desnecessário ao departamento. “O cara disse que eu estava f…na mão dele, que esse negócio de bolsa era pilantragem minha só para ganhar mais, que se ele não tinha esse benefício, não faria questão de brigar pelo dos outros”.
- Caso 7: Sinvaldo, 35 anos, assistente de compras pleno, retornou de suas férias e constatou que fora novamente preterido para uma vaga como comprador. O novo funcionário inclusive utilizou os equipamentos de Sinvaldo, fato que gerou a impressão de que ele havia sido demitido. Ao questionar sobre sua não convocação para o processo, ouviu apenas a alegação de não tinha perfil para o cargo. “Eu conheço todos os processos e trabalho nessa função há quatro anos! Nunca fui chamado sequer para fazer os testes de aptidão e dizem que não preenchia os requisitos. O pior é que o chefe teve a cara-de-pau de dizer que brecou minha promoção! Como pode?
Casos como estes são bastante comuns e representam algumas das facetas possíveis de um crime hediondo e silencioso: o ASSÉDIO MORAL. Pouco noticiado e de complexa demonstração, vem aos poucos ganhando espaço nas discussões sobre qualidade de vida no trabalho e defesa dos direitos do empregado, graças à coragem daqueles que tiveram suas vidas e mentes dilaceradas por gestores inescrupulosos e inaptos para liderar.
Uma pesquisa realizada entre março de 1996 e julho de 1998, junto Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas, Farmacêuticas e Similares em São Paulo, detectou que num universo de 2.072 entrevistados, 42% relataram episódios vexatórios ou humilhantes como os citados acima.
As manifestações mais comuns dessa ação criminosa incluem:
◦ isolamento deliberado do funcionário, que pode ocorrer dentro do próprio departamento ou em outro recinto;
◦ solicitação de tarefas absurdas ou muito insignificantes, causando a sensação de improdutividade;
◦ projetos ou relatórios pedidos em caráter emergencial, que posteriormente são engavetados ou desconsiderados;
◦ ofensas e tortura psicológica constante (intimidação, ameaças veladas ou explícitas);
◦ interferir em processos seletivos internos, visando prejudicar a participação de subordinado ou mesmo impedi-lo;
◦ redução da perspectiva de ganhos ou diferenciação de salários sem critério objetivo;
◦ terror psicológico visando induzir a prática de atividade ilícita ou fraude em procedimentos, entre outros.
Um dos fatores que mais dificultam a divulgação desse tipo de ocorrência é o medo de perder o emprego. Já foram noticiados casos em que o empregado tem dificuldades para encontrar nova colocação, porque a empresa antiga não fornece boas referências, geralmente por ordem do assediador; este se utiliza de prerrogativas como um cargo de confiança para acobertas suas ações. Outra possibilidade é a de que o próprio ex-patrão/ex-chefe telefone ou envie mensagens para outras companhias do mesmo ramo de atuação, de forma a sujar ou denegrir a reputação do ex-empregado.
O objetivo do assediador é subjugar alguém ou mantê-lo em estado de constante pavor e servidão, pois ele sente imenso prazer nisso; na maior parte dos casos o assédio ocorre de forma vertical (chefe-subordinado). A exposição continuada a estas situações geralmente traz danos gravíssimos para a saúde do trabalhador, sendo que as reclamações mais freqüentes são insônia, palpitações, depressão, ansiedade, diminuição da libido, agressividade, tendência ao alcoolismo e até mesmo tentativas de suicídio.
Empresas mais atentas e responsáveis procuram criar mecanismos internos ou comissões para apurar irregularidades e denúncias, de modo a evitar passivos trabalhistas e ações indenizatórias. Na contramão desse processo, seguem outras que dão total liberdade de mandos e desmandos a seus gestores, e alguns vêem nisso uma forma de aval e conivência com suas atitudes intimidadoras.
Infelizmente muitos trabalhadores têm optado pela “lei do silêncio” e continuam a fazer parte (como peças) de um jogo sádico e macabro, no qual não terão a mínima chance de ganhar, a menos que optem pela via da denúncia do agressor e preservem sua integridade moral e mental.
Não se engane: assédio moral é um crime rasteiro, oculto muitas vezes por elogios fingidos, chances que nunca serão dadas e promessas de sucesso que nunca se concretizarão, fazendo com que se crie uma expectativa igual à dos jovens do desenho “A Caverna do Dragão”, que ao tentar voltar para casa sempre são atrapalhadas pelos planos sórdidos do Vingador.
Fonte: O Gerente
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