Não há quem desconheça o ditado que diz que é melhor prevenir do que remediar. Desculpe o chavão, mas ele cai como uma luva no caso dos acidentes com a visão. Uma grande porcentagem das lesões oculares causadas por esses motivos gera defeitos visuais permanentes. Muitos trabalhadores sentem na pele essa estatística: dentre os acidentes oculares de trabalho, 6% causam problemas irreversíveis. Mesmo a oftalmologia sendo uma das áreas da Medicina que mais avança no mundo e tendo no Brasil a segunda maior comunidade de especialistas do planeta, ainda assim, muitos acidentes causam cegueira completa. Portanto, torna-se fácil entender a importância da prevenção e da manutenção da saúde dos olhos. A nossa “máquina de ver” é uma perfeita combinação de músculos e lentes que, juntamente com o cérebro, nos permite enxergar o mundo; 85% de nosso relacionamento com o meio ambiente deve-se ao modo como podemos vê-lo. A manutenção do bom funcionamento de um dos nossos sentidos mais bem apurados depende dos cuidados que cada um lhe confere no dia-a-dia. Há quem afirme que nossa vitalidade e esperança possam ser medidas pelo brilho dos olhos. Poesia a parte, o cuidado para evitar um dano irreversível aos nossos olhos é uma necessidade e tudo o que evolui nesse sentido deve ser avaliado e, se comprovado, colocado em prática.
Nas empresas, é preciso respeitar normas e leis de segurança e usar os equipamentos recomendados, como os óculos de proteção. Obviamente, esses óculos, bem como os outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não previnem os acidentes; contudo, são peças-chave para evitar ou ainda amenizar as possíveis lesões. A prevenção dos acidentes propriamente dita deve ser prioridade e a utilização correta e freqüente dos EPIs adequados será fator determinante na continuidade da saúde dos trabalhadores de cada empresa. Iluminação correta dos ambientes, ventilação, ergonomia, períodos de pausa, educação e treinamento dos funcionários são as partes a serem cumpridas pelas empresas; detalhes importantes e determinantes no quesito bem estar dos funcionários. E há ainda, as razões sócio-econômicas, que apontam para o aumento da produtividade dos que trabalham em ambiente saudável. E, aposto, que as empresas têm grande interesse nisso. E já que estamos falando sobre os acidentes oculares, para se ter uma idéia, a inaptidão para o trabalho causada pelo comprometimento da visão é muito maior do que qualquer outro tipo de acidente uma vez que é em média de 15 semanas, quando não permanente, contra as cinco para aqueles que afetam outras partes do corpo.
Outro dado alarmante é a situação dos gastos com acidentes ocupacionais oculares no Brasil. Sem contar a sub-notificação, a estimativa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia é que os acidentes ocupacionais oculares correspondam a 150 mil casos por ano, com maior freqüência entre homens na faixa etária de 20 a 40 anos, quando se está no auge da produtividade. Trata-se de um custo anual estimado em R$ 328 milhões para os cofres da saúde brasileira apenas com os tratamentos que tentam reverter os acidentes oculares; e muitos não surtem resultados.
Grande aliado: óculos de proteção
Por tudo isso, insistimos no uso de um dos mais importantes aliados nessa batalha contra as lesões oculares ocasionadas pelo trabalho: os óculos de proteção. E temos que levar em consideração que esse EPI deve ser apropriado, de boa qualidade, combinando conforto e segurança, resistência e leveza. Já vi trabalhadores tendo sua função impossibilitada devido aos óculos ou máscaras (que também agem na proteção facial) desconfortáveis e incômodos. Muitos, por desconhecerem os perigosos riscos a que estão expostos - com fagulhas, gases, pancadas, pó, vento, areia ou energia radiante, abandonam os olhos à mercê da sorte. Afinal, não há quem consiga enxergar o local exato para a solda, por exemplo, quando se tem uma lente que insiste em ficar embaçada. Uma hora, cansa. E o trabalhador tira a proteção... É nesse momento que o acidente, geralmente, acontece. Os bons óculos de proteção devem ser modulados de acordo com a necessidade e função do trabalhador e não somente ele deve estar com os óculos de proteção, como também todos que o cercam. Nunca é demais repetir que os aparatos devem ter Certificação do Ministério do Trabalho e Emprego, que é gravada nos óculos, e possuir o Certificado de Aprovação da Fundacentro. Os trabalhadores devem ter sempre à mão os materiais de limpeza dos óculos. Os mais utilizados são com lentes de vidro temperado ou endurecido, com três milímetros de espessura, que apresentam ótimas qualidades ópticas. Há ainda, as lentes com vidros laminados coloridos e plásticos. Lembrando que não são apenas os trabalhadores que manipulam equipamentos emissores de radiação e faíscas (como os soldadores) ou aqueles que estão expostos a gases e vapores químicos que precisam adotar um equipamento para proteger os olhos. Quem trabalha em ambiente de menor risco, como dentistas ou laboratoristas, também devem usar protetores.
Óculos Corretivos e Lentes de Contato
Como 60% da população brasileira entre 18 a 40 anos precisam de lentes corretivas – devido a algum tipo de desvio de refração (miopia, astigmatismo, hipermetropia) – elas podem ser acopladas aos óculos de proteção. Ou ainda, os trabalhadores podem usar os óculos de proteção sobre os óculos corretivos ou as lentes de contato. Se utilizados sozinhos, os óculos de segurança corretivos devem ter protetores laterais; os feitos com vidro temperado ou lentes de plástico acrílico não fornecem proteção contra impactos fortes e não devem ser utilizados ao trabalhar em áreas com escombros, a menos que estejam cobertos com óculos de proteção ou viseira. Em áreas onde há perigo de fortes impactos, deve-se utilizar lentes fabricadas com policarbonato ou Trivex®. Os novos óculos de segurança com lentes de policarbonato devem ser resistentes para reduzir arranhões. As lentes de contato podem apresentar um risco significativo de abrasão corneana ao trabalhar em áreas com pó, a menos que sejam utilizados óculos de proteção bem ajustados ou um respirador que cubra o rosto inteiro e esses, geralmente, não se ajustam adequadamente sobre os óculos convencionais ou os óculos de segurança, por isso, devem ser utilizados acessórios corretivos compatíveis com o respirador. E tudo deve ser adaptado por um profissional. Uma recomendação: elimine o pó ou escombros com uma escova, aspirador ou sacudindo o capacete, cabelo e a testa, bem como o topo da proteção ocular antes de removê-la. Não esfregue os olhos com as mãos ou roupas sujas.
Há que se frisar que a exposição à luz da soldagem causa graves queimaduras nos olhos e no tecido circundante. As lentes para proteção contra soldagem devem estar marcadas com o número de cor e o soldador deve usar a cor mais escura possível para cada tipo de solda (soldagem com tocha - de 1,5 a 3, soldagem com arco elétrico - de 10 a 14, sendo 14 o mais escuro de todas).
Para quem utiliza lentes de contato é importante lembrar de sempre lavar as mãos antes de manuseá-las. Usar a unha para retirá-las dos olhos pode ser muito perigoso. De qualquer forma, cabe ao médico oftalmologista prescrever e supervisionar a adaptação das lentes de contato, zelando pela saúde ocular do paciente. Importantíssimo: lentes de contato não são lentes de segurança, que fique claro! Os óculos de proteção são necessários também para quem é usuário das lentes de contato, tanto as gelatinosas quanto as rígidas.
Aconteceu a lesão. O que fazer?
Todos devem estar preparados para os primeiros-socorros a um colega ou parceiro de trabalho que tenha sofrido um acidente ocular. O trabalhador também deve ter ciência das ações a serem tomadas no caso de acidentes para no caso de acontecer com ele próprio, ele saiba orientar quem o esteja ajudando ou consiga, ele mesmo, agir rapidamente. A agilidade no atendimento pode ser determinante nas possíveis seqüelas para a visão. A primeira e mais importante medida de socorro é a lavagem dos olhos com água limpa em abundância. A única exceção se faz às perfurações oculares, que devem ser encaminhadas imediatamente ao oftalmologista para os devidos reparos. É importante evitar a compressão do globo ocular até a avaliação da extensão da lesão provocada pelo acidente. Sempre é importante o estudo do acidente por um oftalmologista, que possui os equipamentos necessários para um adequado exame do olho.
Resumidamente, podemos apontar as ações adequadas para cada tipo de acidente. Dentre os mais comuns estão:
1) lascas nos olhos - não esfregue os olhos; utilize um colírio, lave os olhos em abundância; consulte um médico se o objeto ainda permanecer no olho, ou se a dor ou vermelhidão persistirem;
2) cortes, picadas ou objetos estranhos nos olhos - não lave o olho; não tente retirar o objeto introduzido no olho; estabilize o olho com uma proteção rígida sem aplicar pressão, como por exemplo, a parte inferior de um copo de papel; consulte um médico imediatamente;
3) queimaduras químicas - lave imediatamente o olho com água ou qualquer líquido que se possa beber; abra o olho ao máximo possível; continue lavando por pelo menos 15 minutos; no caso de soluções ardentes ou básicas, continue lavando enquanto estiver a caminho do consultório médico; se houver lentes de contato nos olhos, lave sobre as lentes; consulte um médico imediatamente;
4) golpes nos olhos - aplique uma compressa fria sem pressionar; pode-se colocar gelo em um saco plástico e acomodá-lo suavemente no olho machucado; consulte um médico se a dor persistir ou se houver perturbação da visão, sangue ou descoloração do olho, o que pode indicar uma lesão interna.
Casos duvidosos
Recentemente, circulou pela Internet a descrição de dois casos de cegueira ocasionados por “uma centelha elétrica ao tentar fechar uma chave e outro que ao levantar a máscara protetora para melhor posicionar um eletrodo, tocou inadvertidamente o metal produzindo um arco voltaico; ambos os traumas não ocasionaram dor nos trabalhadores que só constataram o problema quando chegaram em suas casas e, ao retirarem as lentes, retiraram também suas córneas”. Assim como tantos outros temas discutidos pela web, o assunto causou profundo estranhamento entre os especialistas e foi motivo de inúmeras discussões sem, entretanto, conclusões fundamentadas. Em nossa opinião, os casos clínicos não estão devidamente demonstrados, nem descritos com dados pertinentes. O fato é que, como já descrito nesse texto, as lentes de contato não são proteção para os olhos e - as gelatinosas - precisam de hidratação, pois mesmo sob a máscara podem secar e aderir à córnea como uma ventosa. Mas, o que causa dúvida é que o usuário das lentes percebe de imediato um problema - visão borrada e desconforto - que o obriga a tentar tira-las. Claro que o médico deve ser imediatamente contatado caso o usuário sinta qualquer dificuldade em retirar suas lentes. Contudo, dados mais aprofundados sobre esse tema ainda estão em estudo, sendo que nenhum alarde é necessário, devido a falta de embasamento científico na descrição dos casos. Vamos aguardar!
Prevenção e proteção
Nós, oftalmologistas, temos ciência que o uso dos óculos protetores é ainda pouco difundido em nosso meio. Infelizmente! São urgentes e necessárias mais campanhas educativas, no intuito de incentivar e conscientizar os trabalhadores da importância do seu uso rotineiro e habitual; além dos empresários, que devem ser agentes multiplicadores das informações para manter a saúde da visão de seus funcionários. Somente o maior intercâmbio de informações entre as empresas e seus funcionários, somado à intensificação das campanhas pela prevenção de acidentes e uso de EPIs, são fatores capazes de mudar uma realidade triste, de pessoas que perdem a visão devido à acidentes evitáveis. Um sonho ambicioso é que todas as pessoas tenham a possibilidade de protegerem a saúde de sua visão, com plena consciência da importância dos olhos em suas vidas.
Por Dr. Leôncio de Souza Queiroz Neto
Por Dr. Leôncio de Souza Queiroz Neto
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