Mesmo se o mundo inteiro parasse de emitir os gases de efeito estufa – grande
causador das mudanças do clima, segundo os cientistas -, o planeta demoraria
pelo menos mais duas décadas para frear o aumento das temperaturas.
Quem faz o cálculo é José Marengo, um dos pesquisadores brasileiros que
trabalhou na formulação do Quinto Relatório de Avaliação, o AR5, do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), ligado
à ONU (Organização das Nações Unidas).
“Mesmo que a gente feche todas as indústrias hoje, nós vamos ter ainda
décadas de aquecimento em uma inércia. O IPCC fala em aproximadamente 20 anos,
pois foram centenas de anos de CO2 acumulados na atmosfera. Mesmo que não libere
mais, há um monte de CO2 que tem que ser consumido”, explicou o
climatologista.
As florestas são os grandes instrumentos para absorver o dióxido de carbono,
por meio da fotossíntese, mas ele admite que “o efeito não é imediato e demora
décadas” para surtir efeito.
Chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais), Marengo apresentou nesta terça-feira (8) os principais
resultados do Resumo para Formuladores de Políticas do AR5 em um seminário no
Rio de Janeiro.
O texto, que foi divulgado no último dia 27 de setembro, apresentou as
evidências científicas de que a atividade humana é, com 95% de certeza, a
principal causa do aquecimento global. Mas, segundo o Painel do Clima da ONU, os
efeitos das alterações passarão a ser sentidos pela população, de fato, a partir
de 2040.
O especialista ponderou, no entanto, que o documento do IPCC não é um
relatório “catastrófico” e apontou para a necessidade de o homem adaptar-se às
mudanças climáticas que estão por vir no decorrer deste século.
“A adaptação é uma solução para enfrentar o problema, mas não é o fim. Não
interpretem que o mundo vai acabar. A mensagem é que algo deve ser feito em
relação a estes cenários pessimistas como mitigação e redução das emissões”,
argumentou.
Processos irreversíveis – No relatório do Grupo de Trabalho
1, o primeiro de uma série que será divulgada até outubro de 2014, 259 autores
de 53 países reuniram em mais de 400 páginas informações científicas e projeções
para o futuro.
Cronologia traz marcos e ações políticas – “A influência
humana no sistema climático é clara. As atividades humanas são responsáveis pelo
aquecimento nos últimos anos, não são os únicos causadores, mas são os
responsáveis. O aquecimento acontece de qualquer forma, com ou sem a presença do
ser humano, mas ele piora o problema que já existe”, salientou Marengo.
Na sua avaliação, tudo o que envolve o ser humano, é possível adaptar-se ao
novo cenário climático. Já os processos de transformação que envolvem os
ecossistemas naturais, porém, são mais vulneráveis. “O ser humano pode se
adaptar [ao novo clima], mas pode haver um colapso da vegetação atual.”
Para mostrar os efeitos já presenciados, o pesquisador indicou, inclusive
como forte indício de irreversibilidade, o branqueamento de corais no Caribe, na
América Central, devido ao aumento da temperatura da água e da acidez dos
oceanos.
Já o risco de savanização da Amazônia, apontado pelo Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas caso a temperatura do Brasil aumente para 6°C em um século,
pode ser completamente reversível e evitado.
Ainda sobre os efeitos no país, ele cita a tendência do aumento do volume e
da ocorrência de chuvas nas regiões Sul e Sudeste, além de maiores e mais
intensos períodos de seca na Amazônia e no Nordeste.
Há cinco anos, o desmatamento era o primeiro colocado no ranking de emissões
do Brasil. Agora, o desmatamento foi ultrapassado pela queima de combustível
fóssil, anunciou Marengo. “O Brasil passou a poluir como um país desenvolvido.
Temos que mudar nosso estilo de vida, essa é a parte mais difícil.”
Um inventário realizado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia de 2010
indicou que as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa estão na
agricultura, na atividade industrial com a queima de combustível fóssil e no
desmatamento com a queima de biomassa.
“Pelo fato de o desmatamento ter diminuído e a agricultura, reduzido [as
emissões], a queima de combustível fóssil é a maior causa da emissão de gases.
As termoelétricas produzem CO2, assim como a maior frota de veículos do país,
que é muito grande. Acho preocupante porque sempre criticamos os países
desenvolvidos por isso”, analisou.
Agenda ambiental – Contudo, em momentos de crise, na busca
pela recuperação econômica e na tentativa de garantir um aumento no PIB (Produto
Interno Bruto), os países priorizam o crescimento econômico. E, desta forma, a
agenda ambiental atualmente fica rebaixada para segundo plano, especialmente
depois da crise de 2008, afirmou Marengo.
“Dificilmente você vai convencer um presidente [a assinar um acordo de
clima]. É impossível que um país, com uma situação econômica pior, entre em um
acordo ambiental que tem um custo social muito elevado.”
As medidas de mitigação são caras e ocorrem no longo prazo. “É caro mas vai
permitir reduzir os impactos no futuro”, conclui.
Fonte: UOL