Não, eu não vou falar do marketing pessoal a que nos acostumamos a ler nos livros e revistas. Quero discutir que tipo de imagem você está projetando pela forma como fala de você mesmo. Parece incrível, mas, às vezes, construímos uma narrativa de vida profissional que nem sempre é a mais favorável.
Pois é, adotamos um discurso para falar de nós mesmos e acabamos nos escravizando às palavras. Você não precisa e, talvez, nem deva falar de você sempre da mesma maneira. Pode estar certo de que há outras formas, provavelmente, mais interessantes para se revelar.
Para começar, seria interessante refletir a respeito do significado de muitas das tantas convicções que você tem, certezas que contam sua história de vida, uma narrativa incansavelmente tecida no dia a dia da sua existência.
Quem tratou desse tema de maneira esclarecedora foi Walter Benjamin em O narrador: “Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre narrador e sua matéria - a vida humana - não seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da existência - a sua e a dos outros - transformando-a num produto sólido, útil e único?
(...)Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira “.
De Benjamin vamos considerar o “poder de contar sua vida” como sendo a experiência das diversas narrativas que somadas compõem nossa existência. E “contá-la inteira” a possibilidade de harmonizar o nosso interior, tão rico, com o mundo que nos cerca.
Trocando em miúdos: cabe a cada um de nós escolher como contar as nossas experiências e torná-las mais interessantes e agradáveis para nós e para os outros. Como se pudéssemos viver diversas vidas, todas verdadeiras, mas com cores e nuanças diferentes.
Um bom exemplo de como é possível falar sobre o mesmo fato, ou a respeito da mesma pessoa de maneira completamente distinta são os debates políticos. Um político fala de seu correligionário destacando as inúmeras virtudes e qualidades do candidato que defende, enquanto seu adversário, ao se referir à mesma pessoa, só vê defeitos e imperfeições.
Talvez até todos tenham razão, pois dependerá sempre da maneira como a narrativa foi produzida. O que demonstra que até sobre você mesmo, ou a respeito das experiências que vivencia, haverá inúmeras formas de narrar as mesmas informações.
Se você já teve a oportunidade de falar sobre sua carreira mais de uma vez, deve ter percebido que, provavelmente, contou sua história da mesma maneira. E, se tiver de contar outra vez, é quase certo que usará a mesma narrativa, valendo-se das mesmas circunstâncias, criando as mesmas expectativas e discorrendo a respeito dos mesmos desafios.
Adotamos um viés de discurso e nos aprisionamos a ele, como se aquela forma de ver e encarar a vida fosse única, cristalizada e imutável - tornamo-nos prisioneiros das nossas próprias palavras.
Edgard Morin, na sua obra Inteligência da complexidade (Fundação Peirópolis), escrito com Jean-Louis Le Moigne, diz: “Nossas visões do mundo são as traduções do mundo”.
Reflita. A montanha possui vários lados, embora seja sempre a mesma montanha. Dependendo do seu posicionamento, verá a montanha de um jeito diferente, mas, se tiver de descrevê-la, independentemente do lado a que se refira, o tema da sua narrativa será o mesmo.
Experimente contar sua experiência profissional de maneiras distintas. Você não irá mudar sua história, apenas aprenderá a descrevê-la por ângulos distintos. São suas as opções, as escolhas das informações que tiveram significado na sua vida. E dependendo da narrativa que adotar estará mostrando aos outros e a você mesmo a interpretação viva, rica e variada que tem do mundo.
Por isso, pela maneira como você narra os fatos que fizeram parte da sua existência estará revelando também quem é e como é. E você não é apenas uma coisa ou outra. A vida é muito mais ampla, aberta, repleta de experiências para as quais talvez ainda não tenha atentado.
Habituamo-nos a dizer que somos de um determinado jeito e acabamos acreditando que somos mesmo sempre assim - “sou intolerante”, “sou rígido”, “sou desorganizado“. Sim, talvez até você seja dessa forma algumas vezes, ou na maior parte do tempo, mas será que é só isso?
Não seria possível recontar sua interpretação do mundo, que no fundo faz parte da construção da sua própria identidade, por prismas distintos, que conseguissem mostrar as outras facetas da vida mais abrangente que você vive? Esse é um exercício possível que ajudará a libertá-lo das palavras que adotou para contar e recontar quem é e como é.
Ter convicção pode ser importante, mas ficar prisioneiro das próprias palavras, como se elas fossem a única maneira de ver a vida, é insensatez. No texto da próxima semana vou dar exemplos de alguns estereótipos que construímos para nós mesmos, como podemos refletir sobre eles e até de como nos livrar deles.
* Reinaldo Polito é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal. Escreveu 19 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares.
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