Por: Denis Mello
No início do século 21, o mundo assistia boquiaberto à chamada “bolha da internet” composta basicamente por jovens, entre 20 e 25 anos, com uma autoestima hiperelevada, totalmente fora da realidade salarial, sem qualquer comprometimento com a empresa em que estavam – não vestiam a camisa. Esse personagem foi batizado, de forma genérica, pelo VP de Criação da Ogilvy Interactive, Michel Lent, como “o estragadinho da web”.
Com a escassez de mão de obra, o mercado “estragava” os jovens que, sem orientação, experiência e, principalmente, sem formação acadêmica, se vendiam ao maior lance do leilão. Este era o cenário no ano 2000, pouco antes do estouro da “bolha” e da evasão de talentos que se seguiu.
De lá para cá, o mercado, não só de web, assiste a uma nova invasão de jovens com boa bagagem em tecnologia, mas ruim, muito ruim, em outras áreas do conhecimento. Li, outro dia, uma entrevista do diretor-comercial do Yahoo, Olavo Ferreira, e me chamou atenção a seguinte frase dele: “Precisamos de gente que entenda de internet, mas, mais do que isto, que tenha experiência em gestão, negócios, que seja um profissional mais completo.”
Cabe aí uma grande reflexão de todos nós. Como formar esse profissional completo? A quem compete tal formação? E o que seria esse completo? Fui buscar os currículos escolares de algumas das principais escolas de Tecnologia da Informação, por exemplo. Confesso que fiquei pasmo com o que li: o universitário é bombardeado com disciplinas técnicas, algumas ininteligíveis para leigos como eu – as chamadas “sopa de letrinhas -, e várias “técnicas” e “metodologia” de alguma coisa. É uma tentativa torpe de fracionarmos o ser humano, de restringirmos o conhecimento. Ao aluno cabe apenas o estudo de disciplinas técnicas, nada que o obrigue a pensar, debater e analisar o meio em que vive?
Estou mencionando TI, mas em outras áreas ocorre a mesma distorção . E o mercado já sofre as consequências dessa opção em enfatizar o tecnicismo puro e descontextualizado da sociedade. Justificado como imersão total no mundo corporativo e uma preparação para a competitividade, esse foco tem gerado, a meu ver, muitos jovens despreparados, com visões parciais e equivocadas, com bagagem cultural fraca e, pior, com uma ambição desmedida e desenfreada. Ou seja: os “estragadinhos” da Geração Y.
Muitos executivos de RH dizem que esses jovens chegam aos estágios até com currículos interessantes, com viagens internacionais, intercâmbios no Exterior e domínio de um ou mais idiomas, mas, ao produzirem relatórios ou outros documentos para a organização, escorregam na Língua Portuguesa. Já é comum encontrar empresas oferecendo cursos de Português instrumental para os funcionários, numa tentativa de aprimorar e evitar erros de interpretação nos negócios que são tratados no idioma de Camões, não apenas no de Shakespeare. Outra percepção é o descolamento da realidade, porque muitos não leem jornais – impressos ou on-line -, mal folheiam um livro e quando o fazem optam por “manuais de felicidade” que prometem catapultá-los à glória em pouco tempo. E está aí outro grave problema de parte dessa geração. Eles querem tudo “fast”, para ontem.
Hoje em dia, sou um adepto das redes sociais, em particular do Twitter, que se configura em um bom termômetro sobre parte desses jovens. É uma “Disney das ilusões” ou um manancial de ideias distorcidas sobre a construção de uma carreira. Consideram a formação acadêmica como obstáculo a ser transposto para alcançarem o tal sucesso. Eles veem na universidade apenas o lugar em que irão obter o diploma-passaporte para concretizar suas ambições, bastando a frequência e o pagamento em 48 parcelas. Por sua vez, a concorrência entre as universidades provocou uma forte distorção ao transformar o aluno em cliente. O “eu tô pagando” está levando alguns jovens a menosprezar uma das etapas mais importantes da vida de um ser humano, a construção do conhecimento que, diga-se de passagem, é contínua.
Lembro-me do sacrifício para cursar a faculdade e da alegria ao concluí-la. A dificuldade valorizava ainda mais as conquistas. Ficávamos anos em uma mesma empresa, muitas vezes crescíamos junto com a organização, de forma até parcimoniosa. Não sou nostálgico, daqueles que acham que o tempo deles era melhor, até por que este tempo também é meu, mas essa busca por facilidade dissociada de esforço me preocupa. Hoje, é relativamente fácil ingressar nas universidades e no mercado de trabalho. Segundo pesquisas, os jovens da geração Y mudam de emprego a cada três anos, pois querem chegar logo ao topo. O sucesso passou a ser uma espécie de bingo, uma loteria. Muitos querem eliminar as fases intermediárias, sem esforço, sem suor, sem ralar. Só que o mundo real não funciona assim e logo teremos uma legião de frustrados.
A empresa idealizada por alguns resplandece em luzes douradas e soa música angelical. Primeiro, devo avisá-los: esse paraíso coletivo não existe, ele é particular. Cada um de nós constrói o seu lugar. Segundo, para chegar ao topo, tem de alicerçar a trajetória profissional em bases sólidas e fincadas em muita leitura e conhecimento (jornais, revistas, livros, teatro, cinema), estudo – não apenas o técnico, mas complemente-o e amplie-o com temáticas de humanidades como filosofia ou história – e em muito, muito trabalho. Desta forma, poderemos mostrar para a próxima geração que vem aí, batizada de Z (aqueles nascidos depois de 1993), que gostar do que faz é um exercício contínuo e demanda muita ralação, pois os esforços não serão centrados no telhado e sim no processo de construção geral. O topo é só uma consequência.
Fonte: Portal Ogerente