Na cidade que foi cenário da tragédia da Boate Kiss, a prevenção a incêndio
parece que ainda não foi uma lição aprendida pelas escolas estaduais. Em Santa
Maria (RS), das 40 instituições de ensino administradas pelo governo do Rio
Grande do Sul, apenas 12 estão com o alvará dado pelos Bombeiros em dia, o que
corresponde a 30% do total. O levantamento foi feito pela própria corporação,
após pedido da Justiça, em uma ação judicial que pede o cumprimento de uma
sentença de 10 anos atrás, que exige planos de prevenção e combate a incêndio
(PPCIs) em todas as escolas estaduais do município.
Há situações bem
diferentes para cada escola estadual de Santa Maria. Nas 12 instituições com o
alvará em dia, por exemplo, oito têm o Plano de Prevenção e Proteção Contra
Incêndio (PPCI) completo, com plantas físicas e memoriais descritivos. Em outras
quatro, o alvará está vigente, mas foi obtido por meio do Sistema Integrado de
Gestão de Prevenção de Incêndio (SIGPI), que tinha menos exigências e, de acordo
com o Ministério Público (MP), foi usado de forma equivocada pelos Bombeiros em
Santa Maria.
Em outras 28 escolas, o alvará de prevenção está sem
validade. Quatro delas sequer tinham protocolado algum pedido ao Corpo de
Bombeiros até o início de outubro. Por isso, a juíza Eloisa Hernandez de
Hernandez, da 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Santa Maria,
encaminhou, no dia 23 de outubro, ofícios ao governador do Rio Grande do Sul,
Tarso Genro, e ao secretário estadual da Educação, José Clóvis de Azevedo, para
que eles informem, em 15 dias, as providências tomadas para cumprir a sentença
que completou uma década sem possibilidade de recursos.
A sentença da
Justiça Estadual determina que todas as escolas estaduais de Santa Maria devem
ter o PPCI. O Ministério Público entrou com uma ação para que a medida fosse
cumprida e "ficou apavorado" com as informações prestadas pela 8ª Coordenadoria
Regional da Educação (8ª CRE). De acordo com os alvarás dos Bombeiros anexados
inicialmente ao processo, apenas nove instituições estavam com a prevenção em
dia em Santa Maria.
O processo de execução da sentença tramita na 1ª Vara
Cível Especializada em Fazenda Pública de Santa Maria. Após a 8ª CRE ser
notificada, a coordenadora regional da Educação, Celita da Silva, informou à
Justiça que as escolas executam seus PPCIs com a verba que recebem mensalmente
da autonomia financeira e que isso "torna a efetivação um pouco mais morosa"
tanto para as escolas que não têm o plano quanto para aquelas que precisam
renovar o alvará junto aos Bombeiros. A coordenadora ressaltou ainda, no
processo judicial, que "as escolas que ainda não se habilitaram ao alvará de
prevenção contra incêndio possuem, pelo menos, os equipamentos mínimos
necessários, ou seja, extintores, iluminação de emergência e
sinalizadores".
Depois disso, o promotor de Justiça Especializada
Maurício Trevisan se manifestou, afirmando que a justificativa da coordenadora
era "apenas falaciosa". "Este contexto relatado é vergonhoso", escreveu o
representante do MP. Ele foi além: lembrou a tragédia da Boate Kiss e que faz 10
anos que saiu a sentença da qual não cabe mais recurso. O Estado foi condenado a
"implantar em todas as escolas estaduais de Santa Maria planos de prevenção e
proteção contra incêndios, obtendo os respectivos alvarás". A decisão
definitiva, da qual não cabe mais recurso, é de 17 de fevereiro de
2003.
Diante desse cenário, a juíza enviou, a pedido do MP, um ofício ao
4º Comando Regional dos Bombeiros, pedindo uma listagem de todas as escolas
estaduais de Santa Maria e a situação de todas elas em relação aos PPCIs. Na
resposta, foi apresentado o cenário com só 12 das 40 instituições em dia. Porém,
novamente por solicitação do MP, foi enviado um ofício aos Bombeiros, no último
dia 25, solicitando mais informações a respeito de algumas escolas.
Uma
das escolas estaduais que não têm o alvará de prevenção e proteção contra
incêndio em dia é a mais antiga da Região Central do Rio Grande do Sul. O
Instituto de Educação Olavo Bilac, que recentemente completou 112 anos de
existência, tem uma dificuldade a mais para poder cumprir todas as exigências
dos Bombeiros: o prédio é tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do
Município de Santa Maria. Por isso, qualquer pequena obra deve seguir regras
rígidas.
Corrimãos nas escadas, por exemplo, não podem ser colocados para
não ferir o conjunto arquitetônico. Aberturas das portas para o lado de fora
também é uma exigência atrapalhada para a obtenção do alvará. Porém, para
surpresa da diretora da escola, Méri Musa Nogueira, a escola tem até um PPCI
completo, de acordo com as informações repassadas pelo Corpo de Bombeiros à
Justiça. Segundo a mesma fonte, o alvará do Olavo Bilac venceu em junho deste
ano. "Essas informações, para mim, são novas. Não temos esses documentos aqui na
escola", afirma a diretora. O Terra tentou contato com os Bombeiros para
esclarecer a situação da escola, mas não obteve retorno.
Mesmo sem o
alvará em dia, a diretora do Bilac, Méri Musa Nogueira, destaca que sempre são
feitas manutenções elétrica e hidrossanitária para evitar surpresas
desagradáveis. Além disso, ela ressalta que os corredores e as escadas são
largos, e que há saídas de sobra. "No prédio principal, há quatro saídas
laterais, mais a entrada principal. No salão, nós temos cinco saídas. Se
precisássemos esvaziar rapidamente a escola, não haveria problemas", minimiza
Méri Musa. A instituição já chegou a promover, em parceria com os Bombeiros,
palestras e treinamentos de manuseio de extintores, evacuação e primeiros
socorros. Isso só não ocorreu neste ano devido ao "excesso de trabalho" dos
homens da corporação após a tragédia da Kiss e por causa da greve do
magistério.
Em um passeio pela escola, também é possível notar que há
extintores espalhados pelos corredores, todos em dia, indicações de saída e
alarmes contra incêndio. A partir de 2014, a situação deve ficar mais tranquila
no Bilac, que foi contemplado com uma restauração completa no Plano de
Necessidade de Obras (PNO) da Secretaria Estadual da Educação. Atualmente, está
sendo elaborado o projeto arquitetônico das obras. Outras 19 escolas estaduais
de Santa Maria serão beneficiadas pelo PNO, que inclui, entre outras ações, o
PPCI.
Fonte: Terra
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