Na segunda-feira (19), o Ministério Público denunciou o Tenente-Coronel da
Brigada Militar Moisés da Silva Fuchs (ex-Comandante do 4º Comando Regional de
Bombeiros), o Tenente-Coronel da Reserva da BM Daniel da Silva Adriano e o
Capitão da BM Alex da Rocha Camillo (ex-Chefes da Seção de Prevenção a
Incêndios) pelo artigo 312 do Código Penal Militar - inserir declaração falsa
com o fim de alterar a verdade em documento público. Fuchs incorreu nas sanções
desse artigo duas vezes.
As conclusões foram apresentadas em coletiva de
imprensa na sede do MP em Santa Maria pelo Subprocurador-Geral de Justiça para
Assuntos Institucionais, Marcelo Lemos Dornelles, e pelos Promotores de Justiça
que assinam a denúncia Joel Oliveira Dutra e César Augusto Pivetta Carlan. Na
entrevista, Marcelo Dornelles fez um reconhecimento especial ao trabalho
desempenhado pelos Promotores, incluindo os colegas Maurício Trevisan, Waleska
Agostini e Ivanise Jann de Jesus, que atuaram nas esferas criminal e cível do
caso. "Destacamos a seriedade e transparência com que trabalharam os Promotores.
Este é só o começo, manteremos a firmeza no andamento dos processos para que
haja o cumprimento das requisições feitas", frisou o Subprocurador-Geral
Institucional.
Em 28 de agosto de 2009, Moisés da Silva Fuchs e Daniel
da Silva Adriano expediram o primeiro alvará dos sistemas de prevenção e
proteção contra incêndio da boate Kiss. Eles fizeram constar no alvará que os
sistemas de prevenção e proteção contra incêndios do estabelecimento foram
inspecionados e aprovados `de acordo com a legislação vigente`. No entanto, a
legislação - municipal e estadual -, deliberadamente, não foi observada. Isso
porque o 4º Comando Regional de Bombeiros utilizou o SIGPI (Sistema Integrado de
Gestão de Prevenção contra Incêndio), software que gera uma listagem automática
de itens a serem executados no prédio a título de PPCI e dispensaram, entre
outros itens exigidos legalmente, a anotação de responsabilidade técnicas de
profissional habilitado, não contemplando todo o regramento estadual e municipal
sobre prevenção e proteção contra incêndios.
"Não se tratou de um mero
descuido com a legislação, foi um descumprimento deliberado em nome de uma
suposta celeridade, que privilegiou a arrecadação de taxas para o Corpo de
Bombeiros", conclui César Augusto Carlan.
Segundo a denúncia, as
seguintes normas não foram respeitadas:
- Portaria nº
064/EMBM/99, que disciplina os Planos de Prevenção e Proteção Contra
Incêndio (PPCI), em especial os artigos que tratam da exigência de plantas
baixas, memoriais e responsabilidade técnica e o que determina consideração
suplementar da legislação municipal e suas peculiaridades (Lei Municipal nº
3301/1991).
- Lei Municipal nº 3301/1991, no que tange
à exigência de apresentação dos projetos das instalações arquitetônicos e ART ou
RRT, conforme aprovados pelo Município, da assinatura de responsável técnico e
do proprietário do imóvel, e da obrigatoriedade de alarme de incêndio em
"estabelecimentos de reuniões de público como (...) boates".
-
Decretos Estaduais nº 37380/1997 e nº 38273/1998, no que se refere à
iluminação e sinalização, que estavam em desconformidade com normas técnicas da
ABNT.
Em 11 de agosto de 2011, Moisés da Silva Fuchs e Alex da Rocha
Camillo, inseriram declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita no
segundo alvará dos sistemas de prevenção e proteção contra incêndio expedido à
boate Kiss. O documento foi expedido nos mesmos moldes do primeiro - apenas com
as exigências do SIGPI - além de não obedecer a Resolução técnica nº
14/BM-CCB/2009, que exigia prévio certificado de treinamento de pessoal para a
liberação do alvará.
Requisição à Brigada Militar
Para apurar possíveis outras irregularidades em relação à expedição dos
alvarás de proteção e combate a incêndios, e também a noticiada penúria em
equipamentos do Corpo de Bombeiros de Santa Maria (em que pese a expressiva
arrecadação de recursos pelo FUNREBOM), os Promotores encaminharam uma
requisição ao Comandante-Geral da BM, Coronel Fábio Duarte Fernandes, para que
sejam instaurados Inquéritos Policiais Militares: um para apurar as falsidades
ideológicas inseridas nos alvarás expedidos em desconformidade com a legislação
vigente no que tange ao PPCI completo, abrangidos pela área de atuação do 4º
Comando Regional de Bombeiros, desde sua implantação em 2007; e outro para
averiguar uma possível omissão de eficiência de força (artigo 198 do Código
Penal Militar), também pelo 4º CRB. Ainda, requisitaram a revisão de todos os
PPCIs aprovados desde dezembro de 2007 até o dia 28 de janeiro de 2013, que
deveriam obedecer a Portaria 064/EBMB/99 e as legislações e normatização
correlatas, também no âmbito de atuação do 4º CRB.
"O MP está dizendo
que, desde 2007, todos os alvarás que não obedeceram à legislação vigente são
falsos", reforçou na coletiva Joel Dutra. Para o Promotor, "muito provavelmente,
vários prédios tenham necessidade de novas inspeções, desta vez acatando as leis
municipais e estaduais".
Investigações derivadas
Durante as investigações, o Inquérito Policial Militar apurou que os
Soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho e Marcos Vinicius Lopes
Bastide, além do Sargento Renan Severo Berleze e do Aluno Sargento Sergio
Roberto Oliveira de Andrades incorreram nas sanções do artigo 324 do Código
Penal Militar (descumprimento de lei, regulamento ou instrução), porque nas
inspeções feitas na boate Kiss em 2011 registraram a necessidade da troca de
mangueiras do gás, mas não mencionaram a necessidade de instalação de uma
central de GLP. Assim, eles deixaram de observar normas da ABNT e o Decreto
Estadual 37.380/1997.
O Tenente-Coronel Moisés da Silva Fuchs foi
denunciado, ainda, pelo crime militar descrito pelo artigo 319, prevaricação,
pois deixou de punir ou de instaurar Conselho de Disciplina para possível
exclusão do Sargento Roberto Flávio da Silveira e Souza por ser
sócio/administrador da empresa Hidramix. A prática foi considerada incompatível
com a condição de militar estadual do Corpo de Bombeiros. Os autos a respeito
das possíveis infrações cometidas pelo Sargento - exercício ilegal da profissão
e falsidade ideológica - serão remetidos à Justiça comum, por não se tratarem de
crime de natureza militar (praticados fora da função).
Arquivamento
O MP também promoveu o
arquivamento em relação às condutas dos Bombeiros Vágner Guimarães Coelho e
Gílson Martins Dias. A argumentação dos Promotores é que não se pode imputar a
eles a prática de homicídio culposo porque as causas determinantes diretas para
a tragédia foram o uso de artefato pirotécnico e a presença de espuma
poliuretano, conforme laudo pericial. A espuma foi colocada em momento posterior
às inspeções feitas pelos Bombeiros, a realização de `show pirotécnico` em
momento algum foi comunicada por quaisquer dos responsáveis (donos da boate e
músicos) à autoridade competente para a liberação ou não do espetáculo, no caso,
o próprio Corpo de Bombeiros.
Os Promotores também pedem o arquivamento
quanto à questão de eventual homicídio culposo por suposta omissão dos Bombeiros
no salvamento das vítimas na data da tragédia. No entendimento do MP, "mesmo sem
solicitação, alguns civis iniciariam a ajudar no resgate e, diante da
excepcionalidade das circunstâncias naquela ocasião, na qual existiam inúmeras
pessoas em franco desespero na procura de seus entes queridos e amigos, estavam
todos determinados a ingressar voluntariamente na boate".
Ainda, os
Promotores ressaltam que não há como imputar aos servidores militares a prática
de homicídio culposo porque não é possível aferir culpa diante da situação
excepcional e atípica vivenciada na tragédia. Além disso, porque não há indícios
suficientes de que os Bombeiros tenham ordenado ou solicitado o auxílio de civis
que faleceram no salvamento e porque não há nos autos elementos para a
individualização da conduta de cada Bombeiro no que tange ao suposto ato de
incentivo à entrada dos civis para salvamento das demais vítimas.
Para
acessar a denúncia do MP de Santa Maria, clique
aqui.
Fonte: MP-RS
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