O processo pode ser doloroso, sofrido, mas a tentativa não pode ser barrada pela rotina e a pressão.
Por: Adriano Morozini
Shutterstock
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Muitas pessoas acham que não são criativas e que a criatividade é algo
geneticamente adquirido. Um dom que o sujeito possui (ou não). Para muitos,
aliás, falar em criatividade logo desperta associações com a imagem de artistas
ou empreendedores famosos. Gente especial que habita o "olimpo criativo", um
lugar celestial reservado para pessoas privilegiadas. Se você pensa assim, tenha
cuidado! Essa postura é equivocada e pode estar debilitando ainda mais o seu
poder criativo.
"Toda criança é um artista. O problema é manter-se artista uma vez que nos
tornamos adultos". Com essas palavras Pablo Picasso nos lembra que, de alguma
forma, nascemos criativos, mas vemos nossa capacidade minguar diante de anos de
repressão e conflitos. Conflitos com o sistema educacional, com nossos pais e,
sobretudo, com um ego cheio de medo e vergonha.
O positivo, no entanto, é saber que podemos readquirir parte de nossa
criatividade perdida. Mas, para recuperar a criatividade perdida, não basta
despertar a criança dentro de nós. Precisamos estar dispostos a encarar o
verdadeiro trabalho de parto que o nascimento de uma boa ideia exige. Um
trabalho que começa ao estabelecer conexões passando pelos processos de
fecundação, gestação e nascimento. Um processo intenso, muitas vezes divertido,
mas que também pode ser excruciante.
Estabelecendo conexões
A criatividade, assim como o relacionamento entre pessoas, precisa de
interações para poder brotar. Em outras palavras, precisamos nos expor e buscar
sinergias, já que é nas sinergias que encontraremos matéria-prima para boas
ideias. David Birne, líder do grupo Talking Heads, dá um bom exemplo disso.
Segundo ele, muitas conexões criativas surgem dos seus passeios de bicicleta
pela cidade de Nova Iorque. Para Birne, as cores, sons, cheiros e o contato com
as pessoas constituem um verdadeiro ponto de partida para muitos projetos. Outro
exemplo, também vindo de Nova Iorque, ocorreu com Milton Glaser, famoso designer
gráfico. Ele criou o logotipo mais copiado do mundo, o símbolo "Eu amo Nova
Iorque", dentro de um taxi, enquanto olhava pela janela.
Ou seja, assim com um quebra-cabeças, nossa interação com o mundo pode
disponibilizar as partes, que, juntas, ajudarão a obter algo coerente. Por isso
é recomendável andar "antenados" e adquirir uma postura ativa diante da
avalanche de informações que passa cotidianamente à sua frente.
O processo de fecundação
Para gerar uma solução inovadora, é preciso, antes de tudo, deixar que o
desafio em questão (ou problema determinado) tenha acesso à nossa psiquê. E, ao
permitirmos acesso a um lugar tão fecundo, estaremos promovendo um processo de
gestação. Processo esse que é nutrido pela reação do problema ou desafio com
nossas experiências, sonhos e fantasias.
Fantasias como as de Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones, que
criou a música "I can't get no (satisfaction)" enquanto dormia. Chapado como
sempre, Keith conta que acordou pela manhã no quarto de seu hotel e reparou que
a fita do gravador portátil estava no final. Curioso, rebobinou a fita e ao
apertar o botão play escuto como ele mesmo pegava a guitarra e tocava os
primeiros acordes do que viria a ser a famosa música. E depois dos acordes… 40
minutos do seu próprio ronco.
Gestação
A gestação de uma boa ideia exige a participação de ambos os lados de nosso
cérebro. Isso significa a observação e análise sistemática do lado esquerdo
combinado com a sensibilidade inspiradora do lado direito. Sendo importante
lembrar que esse processo, muitas vezes, é também alimentado por conceitos
transversais e diferentes do assunto no qual estamos trabalhando. Como na
criação do slogan “Just do it” para a marca de artigos esportivos Nike, por
exemplo. Neste caso, o marketeiro Dan Wieden utilizou as últimas palavras de
Garry Gilmore, um assassino condenado à pena de morte momentos antes de ser
executado por fuzilamento em 1976.
O nascimento de uma boa ideia
Assim como numa gravidez, o nascimento de uma ideia pode ser doloroso. Isso
ocorre, especialmente, quando a necessidade de criar reage de forma negativa com
nossa psiquê ou colide com outros problemas ali existentes. A pressão por
resultados, por exemplo, pode dificultar o parto de ideias ou até diminuir o
desejo de seguir trabalhando, como no caso de Bob Dylan em um dado momento de
sua carreira.
Exausto, depois de uma turnê pela Inglaterra, Dylan prometeu ao seu
empresário que deixaria o mundo da música. Disse que já não suportava as
expectativas de todos sobre sua criatividade. Desolado, mudou-se para uma casa
no interior do Estado de Nova Iorque deixando para traz seu passado e seu
violão. O tempo se passou e a solidão, ao invés de calar sua criatividade,
trouxe à tona o texto do que viria a ser uma de suas canções mais emblemáticas.
"Like a Rolling Stone" nasce expondo a dor e a angústia de ter que criar. Tim
Maia também reforça esse argumento com uma de suas frases célebres: "para fazer
boa música é preciso a dor de trair e de ser traído".
Mas o nascimento de uma boa ideia nem sempre é doloroso. Muitas ideias nascem
como bebês em táxi, ou seja, de forma inusitada. Afinal, quem já não teve uma
boa ideia no chuveiro ou na cama? Arquimedes, o matemático grego, teve uma de
suas melhores ideias dentro de uma banheira. E de tão animado, saiu pelas ruas,
nu, gritando "Eureka, Eureka!" Tudo isso sem falar nas ideias que surgiram por
acidente como a descoberta da penicilina, do plástico, do Viagra, microondas e
as batatas chips.
Seja como for, o nascimento de uma ideia é um momento especial. Rápido ou
lento, doloroso ou não, é importante perceber os diferentes estágios e curtir
cada momento sem deixar que a boa ideia escape.
A criatividade constitui uma faceta importantíssima de nosso perfil e, desde
um ponto de vista corporativo, demonstra ser a chave para mudar as regras do
jogo quando o assunto é a sobrevivência no mundo dos negócios. Empresas como a
Samsung, Hyundai, Apple ou a produtora Pixar deram um bom exemplo ao desbancar
concorrentes aparentemente inabaláveis. Mas o que ocorre na perspetiva
corporativa tem sua gênese no indivíduo. No indivíduo que pensa, que sonha e
que, sobretudo, faz nascer boas ideias.
Fonte: administradores.com.br