A vida nas grandes cidades lentamente transforma pessoas saudáveis em doentes
crônicos. Um dos maiores vilões da saúde nas metrópoles mundiais é a poluição,
gerada em grande parte pela frota de veículos exagerada e pelo transporte
público deficiente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos,
cerca de 6 milhões de pessoas no mundo perdem suas vidas por causa da poluição
do ar.
A entidade estuda os efeitos da falta de mobilidade urbana sobre a saúde há
pelo menos 15 anos. Neste período, constatou que outras milhares de pessoas
desenvolvem doenças crônicas degenerativas causadas pelo estilo de vida nas
metrópoles: elas matam em longo prazo ou debilitam a saúde, deixando uma
multidão de indivíduos produtivos incapazes de desenvolverem suas
atividades.
Até 2050, a poluição do ar será a principal causa das mortes prematuras por
câncer de pulmão em nível global. Esta é a afirmação de uma equipe de
especialistas da Universidade de São Paulo (USP) em recente artigo publicado
pela revista Nature. Países em desenvolvimento são apontados como os mais
vulneráveis a este mal.
“Cidades da China, Índia, Indonésia e Brasil possuem níveis de poluição muito
altos, mas há outras que não medem e não informam a poluição do ar, que pode ser
maior. O fato de estarem se comparando é sinal de que querem melhorar”, afirma
Carlos Dora, coordenador do departamento de saúde pública e meio ambiente da
OMS.
“Vários estudos mostram que os corredores de trânsito são as chaminés das
cidades modernas”, afirma Paulo Saldiva, patologista e professor da USP. Segundo
ele, entre 70% e 90% dos poluentes do ar são produzidos pelos veículos. “A
poluição ambiental é de duas a três vezes maior na cidade. Você fica muito tempo
imerso no pior cenário”, analisa.
O pesquisador é categórico ao confirmar a relação entre o tráfego urbano e o
adoecimento da população. Segundo ele, apesar de nas grandes cidades a
expectativa de vida ser maior do que em áreas rurais, onde há menor acesso a
tratamentos de saúde, nos centros maiores o índice de doenças crônicas
degenerativas e enfermidades psíquicas é muito superior.
Como a falta de mobilidade afeta a saúde – Em todo o mundo,
8% dos casos fatais de câncer de pulmão estão relacionados à poluição do ar. O
efeito cumulativo da inalação contínua de nanopartículas e gases tóxicos como
chumbo e cádmio podem causar outra série de problemas de saúde, que vão desde o
aparecimento ou agravamento de doenças respiratórias, até problemas cardíacos,
aumento da pressão arterial, diminuição da produção de lágrima, maior coagulação
sanguínea, depressão, esquizofrenia e problemas reprodutivos.
“A poluição do ar gera em pequena escala os mesmos efeitos que o cigarro
causa de forma mais individual e rápida. Em São Paulo, 15% das pessoas fumam,
mas a poluição do ar afeta 100% da população, por isso, o risco atribuído da
poluição é significativa”, indica Saldiva. Só na região metropolitana paulista,
cerca de 4 mil pessoas morrem todos os anos por problemas atribuídos à poluição
do ar.
O tráfego urbano também geram outros problemas já comprovados por estudos
científicos. Em muitos lugares, é difícil dormir por causa do barulho e, mesmo
quando os moradores pegam no sono, ele é de má qualidade. Isso afeta o sistema
nervoso, a produção hormonal, além de gerar dificuldade de concentração e perda
de memória.
Isolamento e depressão – Em cidades como São Paulo, as
pessoas gastam quase um quarto do dia para se deslocar de casa para o trabalho.
Situação que gera isolamento social e compromete o desenvolvimento. “Por causa
da má qualidade do transporte público, as pessoas buscam os carros. A população
está cada vez mais confinada, seja em casa ou no modelo particular de
locomoção”, alerta Marília Flores Seixas de Oliveira, doutora em desenvolvimento
sustentável e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
Uesb.
Para a pesquisadora, a falta de convivência da comunidade no espaço urbano
deixa a pessoa suscetível ao desenvolvimento de problemas como depressão e
ansiedade, causados pela ausência de sociabilidade. “Hoje, a depressão pode
levar à morte. As doenças não violentas estão matando muito”, comenta Marília.
“Se você tem mais de 60 anos, uma das coisas que mais impactam na expectativa de
vida é a falta de atividade social”, reforça Saldiva.
Contexto que também gera o sedentarismo. Cada vez mais as pessoas vivem em
escritórios e dentro de veículos. A falta de locais para se exercitar e a
insegurança acabam servindo como justificativas para não praticar exercícios
físicos, o que acarreta em inúmeras doenças potencializadas pelo estresse mental
e a poluição.
Carlos Dora garante que este cenário pode ser mudado se os gestores públicos
pensarem as cidades relacionando a mobilidade urbana com a saúde pública. “Uma
estratégia para aumentar a média de exercício na população é aumentar a
mobilidade. Fazer com que ela seja integrada à rotina diária”, garante. Conforme
a OMS, o exercício físico reduz em 50% o risco de desenvolver câncer de cólon,
doenças coronarianas, diabetes e obesidade.
Quando as cidades oferecem um sistema de transporte público adequado e
espaços para caminhadas de pequenas distâncias, as pessoas são incentivadas a se
movimentarem mais. “Uma grande parte dos deslocamentos é feita em curtas
distâncias e quando se faz isso com o automóvel o problema da poluição é
agravado, pois o pico de emissões poluentes ocorre quando o veículo é
ligado”.
“Cidades europeias já conseguiram fazer isso”, afirma Dora. Estes países
primam pela aproximação do uso do solo, diferente do que ocorre em locais como
Estados Unidos e Austrália, onde a dispersão do espaço urbano exige o uso de
veículos automotores. “Nos últimos dez anos, vimos o início de um movimento que
privilegia a bicicleta, o pedestre e o transporte público. Você faz das ruas
algo prazeroso. Na década de 1990, era dificilíssimo falar na Europa em uso da
bicicleta, mas isso mudou. Hoje, isso é sinônimo de cidade com boa qualidade de
vida”, conclui o representante da OMS.
Fonte: Terra
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